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Depoimentos

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Felipe Nadai, fundador do PVR e ex-aluno FMJ

 

     Havia chegado o momento da decisão. Após três anos de ensino médio, era hora de escolher uma profissão. Mas qual carreira seguir? Esta era a pergunta que mais me angustiava. Já havia pensado em prestar propaganda e marketing, arquitetura, psicologia, engenharia civil... E por que não medicina? Este era o maior sonho da minha mãe. Na minha idade, ela queria muito fazer o curso médico. Como não havia tido condições de estudar, ela acabou por depositar este sonho em mim. Pensar em medicina, acima de tudo, se tornava aflitivo por isso. Estava eu fazendo uma escolha própria ou seguindo um sonho idealizado por ela?

 

     Decidir seu futuro profissional é uma questão muito delicada para um jovem de apenas 18 anos. Ainda mais escolher medicina! Ser médico é mais que fazer uma simples escolha. Para mim, é preciso ter vocação e esta era a única certeza que eu tinha. O desafio era: teria eu vocação? Seria eu forte o suficiente para me delegar a complexa tarefa do cuidado de pessoas vulneráveis e fragilizadas por sua condição de vida, por uma doença?

 

     Não havia mais tempo para pensar. Era preciso decidir! As fichas de inscrição para as provas de vestibular já estavam preenchidas. Apenas um campo permanecia em branco: o nome do curso escolhido. A caneta dançava entre os meus dedos cogitando alguma atitude, alguma expressão. Frustração! As próprias ideias estavam borradas. Em meio à falta de clareza, recorri a Deus por ajuda.

 

     Uma angustia enorme tomava conta dos meus olhos e paralisava os meus pensamentos. Só conseguia pensar: “Meu Deus, me ajuda! Me mostra um caminho, Pai! Me dá um sinal. Eu só peço isso: um sinal.” Ajoelhei aos pés da cama por alguns instantes. Mas nada. Nenhuma inspiração. Enfim, o relógio marcou meu atraso. Sai correndo para a escola...

 

      Ao abrir o portão de casa, me deparei com um homem maltrapilho, bêbado, pendurado nas grades. Ele se assustou comigo e foi logo se desculpando: “Desculpa! Desculpa, senhor. Eu já estou saindo!” Tranquei a casa e somente esbocei uma reação tímida por achar graça naquela cena. “Imagina, seu moço. Não tenha pressa! Afinal a rua é pública. Ruim vai ser se o você acabar caindo aí e machucando. Vai com calma; no seu tempo...”.

 

      No fundo, era eu quem tinha pressa. Tentando me buscar dentro dos meus pensamentos, passei por aquele homem sem muita atenção. E foi neste momento, num reflexo fino e acertado, que ele segurou firme o meu braço, me puxou. Não me deixou seguir. O único pensamento que ficou na minha mente tribulada foi: se naquele momento, eu acabasse assaltado, como iria realizar minha inscrição para o vestibular? Sem os papéis de inscrição, estaria tudo acabado. Então o bêbado me encarou. Perguntou onde eu estava indo. Questionou se eu ia estudar. Respondi que sim, sorrindo com uma palidez inexpressiva. Ele me olhou por mais alguns instantes, balançou a cabeça em uma expressão de afirmação e olhando pro chão, arcado em sua humildade vertebral, suspirou como se tivesse encontrado uma grande resposta!

 

      Havia ali um abismo entre eu e ele para qualquer diálogo. Mais que isso; havia um abismo de vida, de existência. Tão distantes... E tão próximos! Mas ele continuava a abanar a cabeça em seu sim reflexivo. Olhou-me serenamente e somente disse: “Isso mesmo, meu filho! Estuda mesmo...” Respirou. Sua expressão torta, sofrida, revelou uma grande sensação de paz. “Estuda! Estuda mesmo, meu filho... Porque você vai ser o médico que vai cuidar de mim um dia.” Abriu um grande sorriso e saiu cambaleando, procurando se firmar no chão da rua.

 

      Minha pressa acabou. Olhei para o céu. Chorei. Agradeci a Deus. Sentei na sarjeta da rua e abrindo o caderno, retirei as fichas de inscrição do vestibular. Uma a uma, fui preenchendo o curso escolhido: medicina. E assim aconteceu. Ingressei na Faculdade de Medicina de Jundiaí com este compromisso: desenvolver em mim o privilégio e a honra do cuidar, buscando uma vocação maior que a glória do conhecimento médico.

 

      O olhar daquele homem me despertou para uma realidade muito maior do que eu conseguira enxergar sozinho. Ele me mostrou a força que existia dentro de mim. E esta energia que eu desconhecia, se move até hoje de maneira continua aqui dentro da minha alma, não deixando com que eu esqueça por quem e para quem eu dedico todos os meus dias de trabalho. Aquele chamado, o sinal que eu havia pedido para Deus, veio justamente de quem mais clamava por cuidado. E Deus estava ali.

 

      A maior motivação da minha formação sempre foi relembrar este olhar humano dado a mim por um simples homem de rua. Espero nunca perder a preciosidade do ensinamento que recebi através daquele olhar. Sentir-se cuidado por quem mais clamava por cuidado. Se isto era possível, porque eu não conseguiria? Diante daquilo, tudo parecia claro. As vendas dos meus olhos haviam caído. Muito havia por ser feito.

 

      Desde então, àquele homem dediquei todo meu trabalho nestes últimos anos; trabalho que hoje tem um nome: o “Projeto Vozes das Ruas”. Que esta voz da rua que um dia me inspirou, possa também nos modelar hoje de forma real e concreta. Como aluno recém-formado em medicina, divido com meus colegas a minha forma de encarar o cuidado: olhem para o ser humano de forma complexa, intensa e verdadeira. Este foi o ideal que balizou toda a criação do nosso projeto de extensão universitária: Vozes das Ruas. Este simples olhar que foi capaz de me ensinar verdadeiramente o que é medicina!

 

 

 

 

 

 

 

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Felipe N.

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